domingo, 13 de fevereiro de 2011

Trilhos

É terrível a falta de respeito e consideração que as pessoas têm pelos outros. Já não os ouvem, riem-se deles. O que dizem já não tem valor, são blasfémias que não interessam para nada porque a falta de humildade, que afecta muitas destas pessoas, não permite ver que nós não possuímos toda a verdade, nem todo o conhecimento, e que os outros também podem ter razão e estar certos.
Aprendam a ouvir e a respeitar o que os outros nos têm para dizer, mas não façam por obrigação, façam-no de coração aberto. Façam-no como alguém que está realmente interessado no Outro e no que ele nos tem para dizer. Lembrem-se que sozinhos não somos nada e que os outros podem-se cansar de estar constantemente ao nosso lado a tentar dizer alguma coisa.
Sozinhos, a caminhada é mais difícil e torna-se mais cansativa e morosa. As tentações de abandono são maiores e por vezes isto acontece. Os outros, aqueles que vocês não são ouvidos abandonam a caminhada, isto não quer dizer que desistam apenas poderá dizer que fizeram um pequeno intervalo, uma pausa para pensar. É necessário escolher novos trilhos para que a caminhada faça sentido, eu não abandono esta caminhada apenas faço um intervalo, uma pausa, não para pensar no que quero (eu sei o que quero e também sei até onde é que a caminhada deve de ser feita) mas sim para que vocês tenham a oportunidade de pensar no que é que realmente querem.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Os Convencidos da Vida

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"